14 de março de 2008

A CONDUTA DO CRISTÃO NA SOCIEDADE


Efésios 5.15-21

Nossa caminhada cristã, diz o Apóstolo Paulo, deve ser diferente da caminhada do mundo. Devemos caminhar de acordo com o amor (Ef. 5:2). Precisamos estar atentos ao juízo por vir em tudo o que fazemos (Ef. 5:3-7). Necessitamos esforçar-nos por andar na luz (Ef. 5:8). Agora, Paulo acrescenta outra dimensão: andar com sabedoria. Isso posto, vamos captar, neste contexto, algumas das mais evidentes características da orientação paulina sobre a vida cristã no que diz respeito ao comportamento do cristão dentro da comunhão da Igreja bem como para a sua maneira de agir e ações perante a sociedade.
1º) Em primeiro lugar, ele diz que a conduta do cristão perante a sociedade deve estar baseada na compreensão e submissão absoluta à vontade de Deus.
Paulo aconselha aos cristãos, assim dizendo: "Tenham cuidado com a maneira como vocês vivem; que não seja como insensatos, mas como sábios, aproveitando ao máximo cada oportunidade, porque os dias são maus. Portanto, não sejam insensatos, mas procurem compreender qual é a vontade do Senhor" (v. 15-17).
O que é andar prudentemente? Significa ter diligência em nossa conduta. Prudência é algo que está faltando muito na igreja evangélica brasileira, mas que precisa, urgentemente, ser incorporada à nossa espiritualidade.
Em grego, a tradução da palavra “diligência” vem de akribos, que literalmente significa "de modo rigoroso", “precisão” ou “esmero”. Significa, pois, neste contexto, vivermos na prática aquilo que acreditamos, falamos e pregamos aos outros (I Co. 9: 27).
Entretanto, é bastante comum ouvirmos muitas vezes este tipo de expressão: “Faça aquilo que eu digo, mas não olhes para aquilo que eu faço”. De fato são inúmeras as vezes que é proferida esta quase “desculpa” e justificação de fazermos muitas vezes aquilo que dizemos ser errado. Como se se tratasse de só aplicarmos na prática aquilo que dizemos quando nos agrada. Cria-se uma deturpação nesta correlação, crença e prática, aquilo em que se acredita na passagem para a prática. Dizemos aquilo em que acreditamos ser o mais correto e que acaba num descrédito na prática. Consequentemente, isso gera uma descrença na prática da crença. Todos nós somos vítimas desta quase “simulação ética”, tanto às vezes da nossa parte como da parte dos outros.
Assim
, aquilo que acreditamos intelectualmente pode exercer pouco impacto sobre o modo como vivemos. E de certo modo possível que os cristãos conservem comportamentos conflitantes com seu sistema de crenças. Por outro lado, o modo como vivemos exerce poderoso impacto sobre aquilo que cremos. Mesmo sendo a vida devocional tão fundamental à experiência cristã, em pouco tempo torna-se ela enfadonha, a menos que se relacione com as atividades do viver diário. Nenhum relacionamento é capaz de sobreviver por muito tempo se não for acompanhado pela ação. Os cristãos que desejam manter a sua fé devem desenvolver uma religião efetiva nos sete dias da semana.
Desse modo, para o Apóstolo Paulo, a prática da vida cristã com sabedoria, na conduta diária, inclui atividades e empreendimentos morais, e isso em pelo menos dois aspectos:
Primeiro, deve haver o aproveitamento máximo de todas as oportunidades que se nos apresentem. Ele diz: "Remindo o tempo" (v. 16). Precisamos ser objetivos. O cristão deve investir seu tempo e energia em ocupações que sejam dignas. E por que todo esse cuidado? Porque "os dias são maus". O aviltamento da sociedade contemporânea não serve de desculpa para relaxamento de nossa parte, ou para aquiescermos em rebaixar nossos padrões morais; antes, é motivo para uma maior intensidade na manutenção imaculada do ideal cristão. Nós fomos chamados para vivermos uma vida de santidade, de piedade, mesmo em meio a um mundo dominado pela malignidade.
Em segundo lugar, há uma convocação à autocompreensão à luz da vontade de Deus, que é a marca notável de um cristão que vive em comunhão com Deus (v.17). Uma caminhada cuidadosa depende de sabedoria, a qual só pode vir do conhecimento da vontade de Deus. Paulo diz aos cristãos: "Não se amoldem ao padrão deste mundo, mas transformem-se pela renovação da sua mente, para que sejam capazes de experimentar e comprovar a boa, agradável e perfeita vontade de Deus" (Rm. 12:2).
2º) Em segundo lugar, em sua conduta perante a sociedade, o cristão deve manifestar uma vida com domínio próprio e "cheia do Espírito".
Daí o conselho do Apóstolo: "Não se embriaguem com vinho, que leva à libertinagem, mas deixem-se encher pelo Espírito" (v. 18). Curiosamente, nesta epístola, o Apóstolo Paulo coloca a expressão "enchei-vos do Espírito" em antítese à embriaguez com vinho. Ele toca em um assunto que representava um perigo bem real, que confrontava os cristãos em uma sociedade pagã.
Ao mencionar o vinho, Paulo está fazendo uma referência ao culto pagão prestado ao deus grego Dionísio, também conhecido como Baco, praticado até o fim do primeiro século depois de Cristo, onde, nas celebrações primaveris, o vinho era um dos meios cultuais utilizados para alcançar o êxtase religioso, visando unir o ser humano à divindade, sendo que tal culto geralmente acabava em libertinagem, orgias e intoxicações.
Paulo diz, então, que a embriaguez provocada pelo uso imoderado do vinho conduz a uma vida desenfreada, de libertinagem, de devassidão, semelhante aos desvarios induzidos nos cultos pagãos, que tiram o autocontrole, afetam a capacidade racional e moral e levam ao desvio espiritual, moral e social. Logo, o cristão não pode ter parte em uma vida assim.
Em oposição a essa vida, Paulo ordena: "Mas, enchei-vos do Espírito". Em outras palavras, ele está dizendo: "Que vocês procurem ser cheios do Espírito Santo e não de vinho". Interessante destacar que no texto original grego, a expressão "enchei-vos" contém três detalhes. Primeiro, é o modo imperativo do verbo: o mandamento não é opcional; é essencial. Segundo, usa a forma plural: o Espírito não é privilégio de uma elite, mas de toda a comunidade de fé. Terceiro, está no tempo presente: a plenitude do Espírito não é um ponto final, mas uma experiência contínua.
3º) Em terceiro lugar, em sua conduta perante a sociedade, o cristão precisa ter uma linguagem, nova, criativa, construtiva, geradora de vida.
Paulo diz que os cristãos precisam estar, constantemente, "Falando entre si com salmos, hinos e cânticos espirituais, cantando e louvando de coração ao Senhor" (v. 19). É necessário que haja adoração a Deus em nossa vida diária, pois uma indicação do enchimento do Espírito será o desejo de dar expressão vocal à devoção do coração ao Senhor, mediante o uso de cânticos ou canções inspiradas pelo Espírito. Não se trata, neste caso, de recitarmos salmos uns para os outros ou de utilizarmos uma linguagem conhecida apenas dos nossos irmãos mais próximos, mas de termos na nossa conversa diária uma linguagem tão bonita, rica, saudável, amorosa, que não provoque em nós nenhum temor de falar para Deus as mesmas palavras que trocamos com os nossos irmãos.
Aqui, a questão não é somente de conteúdo, mas de onde procede o louvor. Paulo diz que o louvor e cânticos espirituais não deve sair somente dos nossos lábios, mas também do coração. O coração, do ponto de vista bíblico, é o centro da vida nos seus múltiplos aspectos. Em outras palavras, o louvor precisa ser cardíaco, cordial, revelador de nossa paixão e intimidade com Deus. Deve ir além das palavras, dos lábios, da formalidade, da exterioridade.
Em muitos outros textos bíblicos há instruções semelhantes à proposta de Paulo, como em Isaías 29.13: "... este povo se aproxima de mim, e com a sua boca e com os seus lábios me honra, mas o seu coração está longe de mim e o seu temor para comigo consiste só em mandamentos de homens, que maquinalmente aprendeu".
Jesus também chamou a atenção para esta realidade dizendo: "Mas vem a hora, e já chegou, quando os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade; porque são estes que o Pai procura para seus adoradores. Deus é espírito; e importa que os seus adoradores o adorem em espírito e em verdade" (Jo 4.23-24).
O louvor deve nos envolver profunda, íntima e apaixonadamente. Todos os nossos hinos e cânticos espirituais devem passar pelo mais profundo do nosso ser, para que sejamos cheios do Espírito Santo.
4º) Em quarto lugar, em sua conduta perante a sociedade, o cristão deve manifestar uma vida de gratidão por tudo.
Paulo diz que é preciso haver um coração grato: "Dando graças constantemente a nosso Deus e Pai, por todas as coisas, em nome de nosso Senhor Jesus Cristo" (v. 20). Sem dúvida, este não é um caminho fácil. Dar graças quando tudo vai bem é muito fácil e bom. A dificuldade se estabelece quando há sofrimento pessoal, quando há crises, quando há perdas significativas.
Cabe esclarecer também que não se trata de menosprezarmos a nós mesmos, numa espécie de masoquismo; mas de termos uma atitude resignada, de compreendermos a ação de Deus, de aprendermos a disciplina do Pai que nos ama em meio aos sofrimentos, dores, perdas e dificuldades.
Paulo aprendera com Jesus a tirar dos momentos mais difíceis da vida, razões inesperadas para louvar e agradecer a Deus. Basta vermos como ele reagiu às situações mais adversas conforme Lucas narra em Atos 16.24.25: "Este, recebendo tal ordem, levou-os para o cárcere interior e lhes prendeu os pés no tronco. Por volta da meia-noite, Paulo e Silas oravam e cantavam louvores a Deus, e os demais companheiros de prisão escutavam". Como consequência desta atitude de gratidão e louvor de Paulo em meio ao sofrimento, o Espírito Santo se manifestou intensamente, as cadeias se romperam, o carcereiro creu em Jesus, e ele e toda a sua família foram salvos (Atos 16.27-34).
Esta ação efusiva do Espírito Santo se repete muitas vezes nas mesmas circunstâncias; quando há gratidão, louvor, oração, Deus move sua mão sobre nós, por meio do Espírito Santo, e acrescenta em nós mais gratidão, louvor, oração. A gratidão "em tudo" provoca um derramar de Deus sobre nós, sobre as circunstâncias que nos rodeiam e sobre a história na qual estamos inseridos.
5º) Finalmente, Paulo aponta que, em sua conduta perante a sociedade, o cristão deve demonstrar uma vida de
sujeição, com humildade, ao outro.
Ele diz: "Sujeitando-vos uns aos outros, por temor a Cristo" (v.21). Não há possibilidade de o Espírito Santo tornar-se pleno numa comunidade se os seus participantes não estiverem dispostos a praticar a submissão uns aos outros.
A submissão parece-me, na proposta bíblica, algo diferente daquilo que costumeiramente pensamos ser, ou que normalmente chamamos de submissão. Paulo, ao propor submissão, nos mostra um caminho que vai além da obediência por obrigação, e nos deixa entender que a submissão deve ser praticada pela fé, pela confiança absoluta em Deus, pelo desejo de um modo de vida superior.
Esta submissão implica em relacionamentos corretos a nível familiar, e a nível profissional. Neste sentido, Paulo propõe que as pessoas que exercem autoridade (maridos, patrões, pais) tenham uma postura que gere o desejo de submissão naqueles sobre quem se exerce a autoridade.
Aos maridos ele diz: "Amai vossas mulheres, como também Cristo amou a igreja" (Ef 5.25.).
Aos pais, Paulo aconselha: "Não provoqueis vossos filhos à ira, mas criai-os na disciplina e na admoestação do Senhor" (Ef 6.4).
Aos patrões e empregados, ele diz para "servirem como ao Senhor", sem coações, pressões, ameaças (Ef 6.7-9). Esta submissão que Paulo propõe é um movimento de ida e volta; submetemo-nos para que outros (maridos, pais, patrões) nos amem, respeitem; por outro lado, amamos, respeitamos, consideramos nossos filhos, esposa e empregados, para que eles se submetam em amor.
O exercício da autoridade e da submissão, do ponto de vista bíblico, coexistem. Um sem o outro não sobrevive.
Concluindo, Paulo demonstra que a vida cristã possui um caráter distinto e um padrão característico, e esta vida deve se constituir tanto um desafio quanto uma repreensão para a sociedade contemporânea. Assim, quanto mais cheios do Espírito e resoluto à sua vontade, mais a nossa linguagem será criativamente espiritual. Quanto mais a nossa linguagem estiver adequada ao padrão de Deus, melhor será o nosso louvor no coração. Quanto melhor for o nosso louvor a Deus, maior será a nossa gratidão em tudo, de tal forma que haverá sujeição uns aos outros no temor de Deus.
Texto adaptado e extraído do livro "Igreja, lugar de vida" do Rev. Naamã Mendes.

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