29 de setembro de 2009

SUPERANDO AS DIFICULDADES DA VIDA


Hoje senti vontade de escrever e refletir sobre uma pessoa que ilustra muitas vezes a nossa realidade existencial. Sobre esta pessoa é possível saber lendo o Evangelho de Marcos 5: 24-31:

E seguia-o uma grande multidão, que o apertava.

E estava ali certa mulher que havia doze anos vinha sofrendo de hemorragia. Ela padecera muito sob o cuidado de vários médicos e gastara tudo o que tinha, mas, em vez de melhorar, piorava.

Quando ouviu falar de Jesus, chegou por trás dele, no meio da multidão, e tocou em seu manto, porque pensava:

- “Se eu tão-somente tocar em seu manto, ficarei curada”.

Imediatamente cessou sua hemorragia e ela sentiu em seu corpo que estava livre do seu sofrimento.

No mesmo instante, Jesus percebeu que dele havia saído poder, virou-se para a multidão e perguntou:

- “Quem tocou em meu manto?”

Responderam os seus discípulos:

- “Vês a multidão aglomerada ao teu redor e ainda perguntas: ‘Quem tocou em mim?’”

Mas Jesus continuou olhando ao seu redor para ver quem tinha feito aquilo.

Então a mulher, sabendo o que lhe tinha acontecido, aproximou-se, prostrou-se aos seus pés e, tremendo de medo, contou-lhe toda a verdade.

Então ele lhe disse:

- “Filha, a sua fé a curou! Vá em paz e fique livre do seu sofrimento”.

Essa mulher de que fala o Evangelista Marcos tinha tudo para ser uma mulher derrotada, aniquilada psicologicamente, descrente da vida, das pessoas, da ciência, de Deus!
Em primeiro lugar, ela era uma mulher que tinha um sofrimento prolongado, diz o verso 25. A Bíblia diz que aquela mulher hemorrágica buscou a cura durante doze longos anos. Foi um tempo de constante busca e de esperança frustrada. Foram doze anos de enfraquecimento constante, esvaindo-se em sangue; anos de sombras espessas da alma, de lágrimas copiosas, de noites indormidas, de madrugadas insones, de sofrimento sem trégua.
Em segundo lugar, aquele mulher enfrentava diariamente um problema sem solução (v. 25,26). Ela certamente já havia chamado todos os médicos disponíveis na esperança de que pelo menos um deles pudesse curar. Porém a Bíblia diz que “ninguém” a curara, ninguém resolvera o seu problema. Em lugar de ser curada, ela sofria na mão dos médicos, e o texto diz que ela ia de mal a pior, pois "em vez de melhorar ela piorava".
Olha amados, o Talmud Judaico dava onze formas de cura para a hemorragia. Com certeza aquela mulher buscou todas. Ela procurou todos os médicos. Aquela mulher gastou tudo que tinha com vários médicos. Mas, apesar de todos os seus esforços, perdeu não só o seu dinheiro, mas também progressivamente a sua saúde. Ela ficava cada vez pior.
A sua doença era crônica e grave. A medicina não tinha resposta para o seu caso. Os médicos não puderam ajudá-la. Porém, era uma mulher batalhadora e incansável na busca da solução para sua vida. Ela não era passiva nem omissa. Ela não ficou amuada num canto reclamando da vida, como aquela hiena dos desenhos animados que dizia: oh vida, oh céus, oh azar! Não, antes ela correu atrás da solução. Ela bateu em várias portas, buscando uma saída para o seu problema.
Em terceiro lugar, devido à sua doença, o texto diz que aquela mulher agora tinha um outro problema. Além da doença, agora enfrentava sérias dificuldades financeiras (v. 26). Essa mulher havia gasto todo o seu investimento, seus recursos, dinheiro, jóias, tudo na esperança de que algum médico pudesse solucionar seu problema. Tudo em vão!
Se fosse hoje, ela já estaria devendo para o banco, para o cartão de crédito, para as financeiras. Agora sem dinheiro, com certeza nenhum médico queria mais atendê-la. Se quiser, vá ao postinho de saúde. Fique na fila desde madrugada. Se tiver sorte, quem sabe consegue a senha!
Em quarto lugar, aquela mulher já havia perdido a sua esperança (v. 26). Essa mulher havia gasto tudo o que tinha, havia investido não só financeiramente mas emocionalmente, e o texto diz que tudo ia “de mal a pior”. Ela perdeu a esperança no homem, pois "ninguém" pôde fazer algo por ela, na sociedade que a estigmatizava, na Igreja que a rejeitava, fazendo dela uma "marginal" religiosa. Em tudo!
Ora, uma pessoa que não encontra uma solução para suas dificuldades, que não tem mais dinheiro para investir ou pagar suas contas, e que por conseqüência já perdeu a esperança, não tem mais nenhuma perspectiva, com certeza não tem a paz de espírito, ao contrário vive uma guerra constante consigo mesma e com outras pessoas (esposa, filhos, patrão, pais, etc.).
Em quinto lugar, aquela mulher sofria com as conseqüências da sua doença (v. 25 e 26). Aquela mulher perdia sangue diariamente. Ela tinha uma anemia profunda e uma fraqueza constante. Seu diagnóstico era sombrio; ela parecia morrer pouco a pouco; a vida parecia esvair-se do seu corpo. Ela não apenas estava perdendo a vida, como não podia gerar vida. Seu ventre em vez de ser um canteiro de vida, tinha se tornado o deserto da morte. Essa mulher havia chegado à “estação desesperança”.
Além disso, a narrativa diz que ela também sofria nas mãos dos médicos. Com certeza era uma cobaia, um objeto experimental.
Em sexto lugar, devido à sua doença, aquela mulher sofria uma segregação religiosa e social (v. 25). Aquela era uma mulher marcada pela Igreja e pela sociedade, marginalizada, pois tinha que viver à margem de tudo e de todos. Ela era uma excluída da sociedade, não podia participar dos cultos religiosos no templo, nem mesmo tocar em outras pessoas.
Aquela mulher enfrentava pelo menos três tipos de segregação, por causa da sua enfermidade:
Em primeiro lugar, ela enfrentava a segregação conjugal. Segundo a lei judaica (Lv. 15:19-27), a mulher com fluxo de sangue não podia relacionar-se com o marido. Se ela era solteira não podia casar-se; se era casada, não podia relacionar-se com o marido e possivelmente seu casamento já estava abalado.
A mulher menstruada era considerada impura (imunda) e proibida de ter relações sexuais. Os rabinos ensinavam que se os maridos teimassem em relacionar-se com elas nesse período, a maldição viria sobre os filhos. O rabino Yoshaayah ensinou que um homem devia se afastar de sua mulher já quando ela estivesse próxima da menstruação. O rabino Shimeon bar Yohai, ao comentar Levítico 15.31, afirmou que “ao homem que não se separa da sua mulher perto da menstruação dela, mesmo que tenha filhos como os filhos de Arão, estes morrerão”.
Segundo o livro de Levítico, mulheres menstruadas transferiam sua impureza a tudo que tocavam inclusive utensílios domésticos e seus conteúdos. Toda cama sobre que se deitar durante os dias do seu fluxo e toda coisa sobre que se assentar será imunda. Os rabinos decretavam que até o cadáver de uma mulher que morreu durante sua menstruação devia passar por uma purificação especial com água.
Em segundo lugar, ela enfrentava a segregação social. Uma mulher com hemorragia não podia relacionar-se com as pessoas; antes, devia viver confinada, na caverna da solidão, no isolamento, sob a triste realidade do ostracismo social. Essa mulher era tratada quase como se estivesse com lepra. Por doze anos ela não pudera abraçar nenhum familiar sem causar-lhe dano. Ela vivia possuída de vergonha, com a auto-estima amassada. Por isso, chegou anonimamente para tocar em Jesus, como medo de ser rejeitada, pois quem a tocasse ficaria cerimonialmente impuro.
Em terceiro lugar, ela enfrentava a segregação religiosa. Uma mulher com fluxo de sangue não podia entrar no templo nem na sinagoga para adorar. Doze anos sem ir ao culto. Ela estava proibida de participar do culto público, visto que estava em constante condição de impureza ritual (Lv 15.25-33). Era considerada impura, portanto, impedida de participar das festas e dos cultos.
Olha amados, aquela mulher tinha tudo para lamentar, chorar, amaldiçoar tudo e a todos. Certamente sua mente vivia encharcada de pensamentos questionadores àcerca do amor e do poder de Deus. Com certeza sua mente era invadida por dúvidas e incertezas.
Nestas horas é que surgem aqueles pensamentos afirmativos que nos atormentam, pois colocam em xeque a nossa fé, tipo: "Na hora da tragédia, Deus sumiu. Deixou-me sozinho na minha angústia". Ou, "Deus não fala mais comigo. Calou-se há muito tempo". Ou, pior ainda, "Deus pode até existir, mas certamente não se importa comigo".
Aí surgem os questionamentos: "Se Deus existe, por que ele não dá nenhum sinal de vida? Onde Deus está quando sinto a dor emocional? Onde Está Deus no momento em que dEle mais preciso?"
Nessa hora começamos a imaginar se Deus de fato se importa com os detalhes da nossa vida, ou se Ele se importa conosco. Somos tentados a orar com menos freqüência, tendo chegado antecipadamente à conclusão de que não vai adiantar. Ou vai? Nossas emoções e nossa fé oscilam.
Quando essas dúvidas se instalam, estamos ainda menos preparado para épocas de grandes crises. Às vezes até pensamos: Pode-se confiar em Deus? Se tantas orações pequenas ficam sem resposta, que dizer das grandes?
As lutas diárias da vida parecem bem distantes das frases otimistas e triunfalistas sobre o amor e o interesse pessoal de Deus que ouvimos na igreja. Até mesmo a Bíblia parece confundir: contêm tantas tragédias quantos triunfos. O que podemos esperar de Deus afinal?
Sabe, eu não quero aqui enfatizar o milagre e nem tampouco espiritualizar o texto. Estou falando de fatos reais e concretos. Estou falando de problemas existenciais que nos aborrecem volta e meia. Todos adoram enfatizar o milagre operado por Jesus, mas nem sempre percebem quem era de fato aquela mulher, o que ela estava sofrendo e como estava seu estado psicológico diante de tudo aquilo.
Ela tinha tudo para ser uma derrotada, ficar lamentando seus problemas, chorando pelos cantos da casa. Mas não! Ela tinha todas as razões para descrer da ação de Deus, mas à semelhança de Abraão “esperou contra a própria esperança”.
Quando tudo parece estar perdido, ainda há uma saída. Com Cristo sempre há uma possibilidade de se recomeçar. Porém, não basta apenas crer e saber disso. Antes é preciso agir como aquela mulher. Apesar de tudo ela teve fé. Apesar de tudo ela acreditou. Apesar de tudo ela não desistiu, antes lutou, batalhou, levantou a cabeça, foi para cima. Ela sabia o que queria, não se acomodou. Não ficou com auto-piedade. Não! Então, ela foi a Jesus e foi curada.
Porém, o que eu mais gosto nesse ato miraculoso é a palavra final de Jesus: “Filha, a sua fé a curou”. Não foi meu manto sagrado, não foi o toque miraculoso, não foi a oração do pastor fulano, da irmã ciclana. Não! Foi a sua fé, a sua convicção de que para Deus nada é impossível, pois tudo é possível àquele que crê.
Que Deus abençoe a todos nós.

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